A IMPORTÂNCIA DE AMBIENTES SAUDÁVEIS NUMA PANDEMIA
O projeto de edifícios sustentáveis impacta no bem-estar proporcionando vida mais saudável e produtiva para seus ocupantes. Essa abordagem é ainda mais importante no momento em que a epidemia de COVID-19 se torna um fato da vida.
O bem estar pode finalmente se tornar importante com função critica do projeto de um edifício.
Ao longo da ultima década, arquitetos e engenheiros tem trabalhado para esclarecer proprietários e incorporadores dos impactos das abordagens do projeto de edifícios sustentáveis na criação de ambientes mais saudáveis e produtivos para seus ocupantes. No entanto, a epidemia de COVID-19 tem demonstrado que essas considerações de bem estar não são mais apenas meros agregadores de valor para um edifício, ao contrario, são elementos necessários para permitir que as equipes reocupem os espaços com segurança.
Edifícios já projetados para atender as exigências de LEED¹, WELL², Fitwel³ ou BREEAM 4 tem uma vantagem nessa área. Projetar para saúde ambiental e baixo impacto de carbono tem sido há muito tempo considerados nos sistemas de certificação ambiental. Mas, quais são os critérios que podem ajudar na mitigação da propagação do COVID-19 e apoiar os ocupantes a se ajustarem em segurança ao “novo normal”? É importante notar que nenhum dos critérios apresentados a seguir, podem completamente prevenir a propagação do vírus, contudo essas estratégias, em conjunto com o maior distanciamento social, podem tornar os ambientes mais seguros.
1 LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) é um sistema de certificação de “edifícios verdes” desenvolvido pelo U.S. Green Building Council (USGBC), internacionalmente reconhecido que verifica de forma independente se um edifício ou comunidade foi projetado e construído utilizando estratégias focadas em melhoramento de desempenho em todas as questões mais importantes: economia de energia, uso eficiente da água, redução das emissões de CO2, melhoramento da qualidade ambiental, administração de recursos e redução de seus impactos.
2 WELL Building Standard é o primeiro sistema de certificação com foco exclusivo na saúde humana e bem-estar de um empreendimento imobiliário. Foi desenvolvido e é administrado pelo International WELL Building Institute (IWBI). A norma WELL é um sistema de medições que, baseado em evidencias, certifica e monitora o desempenho dos recursos de um edifício que impactam na saúde e no bem-estar. O WELL se apoia no LEED e suas recomendações partem de onde terminam as normas do LEED.
3 O Fitwel é uma certificação para construções que visa apoiar a criação de ambientes mais saudáveis no local de trabalho e em residências, melhorando a saúde e a produtividade dos ocupantes, foi desenvolvido pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC) e pelo General Services Administration (GSA), ambos órgãos oficiais do governo dos Estados Unidos, que observaram que a infraestrutura das edificações têm potencial enorme de promover e apoiar a melhoria na saúde e bem-estar das populações que vivem em cidades, através de estratégias simples de projeto e governança.
4 BREEAM significa Método de Avaliação Ambiental do Building Research Establishment (BRE), instituição inglesa responsável pela criação do selo, em 1992. Muito popular no Reino Unido e nos países europeus, o BREEAM chegou ao Brasil em 2011 sob o esquema de certificação internacional BESPOKE, um sistema personalizado e adaptado que incorpora as normas e regulamentos locais. O BESPOKE foi desenvolvido para projetos internacionais e cobre diversos programas: residenciais, comerciais, escritórios, industriais, entre outros. A certificação BREEAM utiliza medidas de avaliação de desempenho reconhecidas internacionalmente, aplicadas a partir de uma ampla gama de categorias e critérios de avaliação. Sua metodologia robusta foi desenvolvida com base em pesquisas científicas relacionadas à construção civil. O nível de exigência é altíssimo e sua introdução no cenário brasileiro ainda é recente e pouco desenvolvida. Não há uma entidade que represente e ajude a divulgar a certificação por aqui e, além disso, as evidências para o atendimento de alguns critérios (como análise de ciclo de vida, por exemplo) ainda são pouco disponíveis no país, o que dificulta a aplicação e obtenção desses créditos. O BREEAM International Bespoke referencial desenvolvido para aplicação em países fora da Europa. É dividido em nove categorias (cada uma delas com diversos critérios, denominados créditos), são elas: Gerenciamento, Energia, Água, Transporte, Materiais, Poluição, Saúde e bem-estar, Uso da terra e Ecologia, geração e manejo de Resíduos.
Ventilação Eficaz
Os critérios WELL Air Precondition 3 e LEED v4.1 O+M (Indoor Environmental Quality [EQ] Prerequisite 1) exigem que os sistemas de ventilação sejam testados e balanceados a cada cinco anos e mantidos dentro das taxas da norma ASHRAE 62.1. Essa boa pratica deveria ser adotada pelos operadores de edifícios para a reabertura uma vez que as taxas de ar exterior introduzido nos recintos frequentemente caem abaixo de níveis adequados por razão de mudanças de layouts, e da deterioração natural dos equipamentos e manutenção não eficiente.
Uma maneira fácil de limitar o crescimento de vírus e bactérias no ar interno é se livrar deles! Sistemas mecânicos de tratamento de ar supostamente suprem ar novo e oxigenado para os ambientes internos e exaurem o dióxido de carbono, material particulado, formaldeído, monóxido de carbono e uma série de compostos prejudiciais como os COVs (Compostos Orgânicos Voláteis) do ar. Nesse processo, partículas vetores de vírus são também exauridas, mas se as taxas de renovação de ar do prédio são insuficientes, maiores concentrações de partículas e vírus podem permanecer no espaço ocupado. Já é bem sabido que COVID-19 é disseminado quando uma pessoa infectada espirra ou tosse expelindo gotículas contendo milhões de pequenos microorganismos. Elas podem se tornar aerossol no espaço ocupado ou decantar em superfícies, inclusive as mesas e estações de trabalho, onde as pessoas tocam.
Com sistemas de ventilação bem projetados e mantidos, operadores de edifícios podem minimizar a disseminação do vírus. No entanto, o aumento da taxa de ar externo em 30% acima das taxas da ASHRAE 62.1 (conforme recomendado pela WELL Air Optimization 6 e LEED v.4.1 BD+C EQ Credit 1) ajuda na diluição da concentração de vírus no espaço ocupado. Uma maior taxa de ar de renovação é pratica padrão na indústria de saúde e dado o risco do COVID-19 é uma boa hora para adoção dessa pratica e ajustar ou retrofitar equipamentos existentes para prover ar externo adicional. Sensores adicionados ao sistema de suprimento de ar exterior podem ser conectados ao sistema de automação predial (BMS) possibilitando ajuste e monitoramento da qualidade do ar (WELL Air Optimization 8).
Também é ótima prática, se possível, abrir janelas e portas para aumentar o fluxo de ar externo. WELL e LEED preconizam o uso de janelas automatizadas (WELL Air Optimization 7 e LEED v.4.1 BD+C EQ Prerequisite 1).
Todas essas medidas de qualidade podem ser registradas num documento denominado Política de Qualidade do Ar Interno para o edifício e no Fitwel Indoor Environment Strategy 6.3 pode ser encontrado um modelo para a criação desse documento.
Além das Boas Práticas de Engenharia e Manutenção para redução da propagação do vírus, um beneficio secundário que pode reduzir o desconforto e preocupação a respeito do retorno ao ambiente de trabalho são praticas integradas que aumentam a satisfação dos ocupantes. As pessoas percebem estar num edifício saudável quando há muita luz solar, o ar cheira bem e não há estagnação. A sensação saudável pode ser ampliada por janelas e portas abertas, que ajudam ocupantes a se sentirem energizados pela luz solar e vista aberta para a natureza. A possibilidade de acessar facilmente o exterior por varandas e terraços adiciona benefícios à saúde. Os ocupantes se sentem mais seguros e confortáveis quando seu ambiente contribui para sua saúde. Conjugando boas estratégias de projeto e de praticas operacionais com conexões com a natureza e biofilia (WELL Mind Precondition 2 e Fitwel Workspaces Strategies 7.1-7.2), as condições de saúde podem ser ampliadas resultando em menor estresse no retorno ao ambiente de trabalho.
Filtragem do Ar
É prática comum que os sistemas de renovação de ar incluam algum nível de filtragem para evitar que particulados, poeira atmosférica e outros detritos entrem no meio ambiente interno. No entanto, o nível de filtragem e a manutenção dos filtros são importantes para entregar ar novo e saudável aos ocupantes. E, dado às preocupações que os funcionários têm com o retorno ao ambiente de trabalho, podemos esperar mais questionamento e escrutínio a respeito do ar que estão respirando. É, portanto, um bom momento para estabelecer protocolos de substituição de filtros que atendam as recomendações dos fabricantes e para avaliar se os equipamentos de condicionamento de ar podem acomodar nível superior de filtragem.
A norma WELL Air Optimization 12 exige registros de substituição e estabelece os tipos de filtros pelas condições do ar externo. Densas áreas urbanas, áreas quentes e secas do interior do país, assim como, localizações próximas de grandes vias de transportes e autoestradas, usualmente tem maiores níveis de material particulado necessitando de maior nível de filtragem. A norma EN 16798-3:2017 trás as diversas classificações do ar exterior de forma a determinar qual o filtro ideal para a localização específica. Os critérios da LEED (LEED v.4.1 BD+C IEQ Credit 1) recomendam como mínimo, filtros classe MERV 13 (F7 conforme NBR-16401-3:2008) e a norma WELL Air Optimization 12 recomenda até MERV 16 (F9 conforme NBR-16401-3:2008) com pré-filtro classe MERV 8 (classificação aproximada G4 conforme NBR-16401-3:2008) baseado numa revisão dos níveis de qualidade do ar exterior e material particulado (chamado PM2.5 e PM10). PM2.5 são as menores partículas que podem entrar nos pulmões e e corrente sanguínea causando doença cardíaca e outras complicações cardiovasculares.
MERV 13 é um nível superior de filtragem e pode capturar até 75% de partículas PM2.5 e bactérias e vírus e MERV 16 pode capturar até 95% e deve ser de especial consideração se o prédio recircula o ar interno (a esmagadora maioria das instalações de ar condicionado recirculam o ar interno adicionando uma parcela de ar externo). Acima e além dos créditos LEED e WELL estaria o uso dos filtros classe MERV 17 ou filtros de alta eficiência classificados como HEPA (High Efficiency Particulate Arrestance), indicados para instalações de Estabelecimentos Assistenciais de Saúde, áreas de produção de laboratórios farmacêuticos e outros sistemas críticos.
O COVID-19 é pequeno, aproximadamente 0,03 micrometros em diâmetro (para comparação, o diâmetro médio do cabelo humano é de 100 micrometros. Tão pequeno que, sozinho, pode passar através da maioria dos filtros. No entanto, ele normalmente pega carona em material particulado como PM2.5, coagulando num corpo de tamanho maior. Portanto, é importante utilizar no mínimo um filtro MERV 13 (F7) para filtrar essas pequenas partículas, caso o equipamento do sistema existente não puder acomodar nível maior de filtragem. Esses níveis superiores de filtragem são suficientemente potentes para reduzir (no entanto, não suprimir) a propagação dos vírus. Por essa razão não se recomenda a instalação de filtros HEPA em espaços comerciais.
Se os sistemas existentes não puderem acomodar filtros de maior eficiência e a perda de pressão associada, sistemas eletrônicos podem ser empregados como, por exemplo, a tecnologia IRC (Ionização Radiante Catalítica) para matar bactérias e vírus. A norma WELL oferece créditos por tratamento UV para esporos de mofo e bolor nas serpentinas de resfriamento e bandejas de condensado dos sistemas de condicionamento de ar (WELL Air Optimization 14). Apesar de funcionar bem para combate a esses microrganismos, mantendo serpentinas e bandejas de condensado limpas e desincrustadas, o que garante eficiência energética e maiores intervalos de manutenção, ela será ineficaz no tratamento de vírus uma vez que eles estão viajando através do sistema de ar condicionado muito rapidamente. Simplesmente não há tempo de “residência” para que a luz UV faça seu trabalho. Alternativamente, sistemas independentes de lâmpadas UV de ambiente podem ser usados fora do horário de ocupação para esterilização de ar e superfícies como parte de um protocolo regular de limpeza dos recintos.
LEED, WELL e Fitwel também oferecem créditos para testagem da qualidade do ar interior. Enquanto os protocolos de testagem da qualidade do ar interior da norma ASHRAE 62.1 não cobrem a detecção de vírus, sua implementação pode ajudar a demonstrar para os ocupantes que as “Boas Práticas” que você tiver implementado no edifício estão funcionando e são, assim, apropriadas para proteção contra a propagação do vírus (LEED v4.1 O+M EQ Prerequisite 4, WELL Air Precondition 1 e Optimization 5 e Fitwel Indoor Environment Strategy 6.4).
Controle de Umidade
Certos níveis de umidade podem habilitar os vírus a sobreviver por mais tempo e até a proliferar tornando mais difícil o controle de sua propagação. Umidade relativa elevada pode promover o acumulo e o crescimento de microorganismos e baixa umidade relativa pode também ser associada com maiores taxas sobrevivência (reduzida inativação) dos vírus.
A solução para os prédios localizados em áreas de clima de amplas faixas de umidade relativa é manter o nível de umidade adicionando ou removendo vapor d´água do ar. Essa prática inibe a proliferação e melhora a qualidade do ar e o conforto térmico. A norma WELL Comfort Optimization 7 recomenda que o sistema mecânico em todos os projetos (exceto espaços projetados para alta umidade como piscinas cobertas e estufas de plantas) tenha capacidade de manter a umidade relativa (UR) entre 30% e 60% o tempo todo. Os níveis modelados de UR no espaço devem permanecer dentro dessa faixa pelo menos 98% de todo o horário comercial do ano. Dados recentes de umidade interna e a propagação do vírus recomendam a manutenção da faixa da UR entre 40% e 60%. A faixa recomendada serve para manter maiores as gotículas que contem partículas virais, evitando sua evaporação precoce, permitindo assim, que decantem nas superfícies da sala mais rapidamente em vez de permanecerem aerossolizadas no espaço ocupado. Imagina-se também que isso dê maior probabilidade para a ruptura da membrana e a inativação do vírus. E abaixo dessa faixa, a baixa umidade ambiente prejudica a capacidade do sistema imunológico para combater infecções virais.
Confie na sua estratégia
Não há nada que garanta eliminar totalmente o risco do COVID-19 do seu prédio. Há variáveis demais quando se movimentam pessoas para dentro e para fora de um recinto. A chave para a mitigação da proliferação, juntamente com adequado distanciamento social é ir descobrindo quais abordagens são mais eficazes. O que estamos aqui tentando divulgar é a variedade de upgrades que podem ser aplicados aos sistemas existentes, abordagens operacionais e técnicas de higiene que podem ajudar a criar ambientes de trabalho mais seguros e saudáveis.
Adaptado do Consulting-Specifying Engineer Magazine.