Conforto térmico – Interação entre corpos e ambiente
Quando nós, na condição de usuários comuns, ligamos um aparelho de ar condicionado, na ampla maioria dos casos, desejamos superar uma condição de desconforto, seja de calor ou de frio. Em outras palavras estamos em busca do conforto térmico.
Para introduzir esse artigo, gostaria de comentar um pouco sobre os mecanismos biológicos que promovem essas sensações.
Como é de conhecimento geral, a temperatura natural do corpo humano varia entorno de 36ºC a 37ºC. O nosso organismo é uma fonte constante de calor e para manter a temperatura adequada precisa liberar parte dessa energia para o ambiente. Estudos demonstram que, com temperaturas internas abaixo de 30ºC ou a cima de 42ºC o corpo humano entra em um elevado risco de colapso.
As sensações de calor e frio são consequência do fluxo de troca de calor entre o corpo humano e o ambiente. Como explica a lei de balanço de energia, o calor flui constantemente do corpo quente para o corpo frio. Nossos corpos, em diferentes situações, podem fazer tanto o papel de corpo quente, quando perdemos energia térmica para o ambiente, quanto de corpo frio, quando absorvemos calor do ambiente.
Quando perdemos mais calor para do que geramos, nossa temperatura cai e sentimos frio. Quando não conseguimos dissipar energia suficiente, nosso copo aquece e sentimos calor. Quanto maior a diferença de temperatura entre corpo e meio, maior o fluxo de troca de calor e mais intensa a sensação.
A relação acima será a premissa desse trabalho. Os sistemas de ar condicionado têm como objetivo, nesse contexto, proporcionar condições ambientais para que a troca de calor tenda ao equilíbrio. De maneira que a temperatura do corpo se mantenha na faixa confortável, sem exigir esforços dos mecanismos biológicos de regulação de temperatura.
Mecanismo Biológicos de Regulação
Diferente de um bloco metálico, o corpo humano não é totalmente passivo à troca de calor. Uma região do nosso cérebro, o hipotálamo, age como um termostato. Este recebe impulsos térmicos de diversos tecidos do organismo e coordena algumas funções capazes de interferir na troca de calor.
Quando a temperatura corporal se eleva, rapidamente ocorre a vasodilatação dos capilares subcutâneos, aumentado o fluxo sanguíneo na região e elevando a temperatura da pele. Como consequência o corpo tende a liberar mais calor para o ambiente. Se esse processo não for suficiente o corpo ativa as glândulas sudoríparas causando o suor, que tem a função de expelir água para fora do corpo e, como este líquido é um bom condutor de calor, a sua evaporação causa o resfriamento do organismo.
Da mesma maneira, quando nossa temperatura interna cai, os capilares cutâneos são contraídos, evitando a chegada do sangue na superfície da pele, buscando com isso manter o calor próximo aos órgãos internos. Também ocorrem estímulos nervosos para a contração da musculatura, os chamados tremores, que, apesar de muito desagradáveis, auxiliam a gerar calor no corpo.
Esse “sistema de automação biológica” é chamado de termorregulação.
Além de trocar calor com o ambiente, como citado anteriormente, o corpo humano é uma fonte constante de calor. Esse calor é gerado na digestão, processamento e absorção de nutrientes e a partir da atividade muscular. Essa última fonte é que mais afeta o lado biológico da equação. Ao praticarmos atividades físicas moderadas, nossa taxa de metabolismo basal (e de calor produzido) chega a ser o dobro de quando estamos em repouso. Se geramos mais calor, precisamos dissipar mais calor. E para isso precisamos de temperatura mais baixa e velocidade do ar mais alta do que para situações de repouso.
Outro fator importante da equação é o isolamento térmico entre o corpo e o ambiente, as roupas. Este elemento reduz o fluxo de troca de calor entre os agentes. Sua capacidade de isolamento está relacionada a fatores como, área coberta Vs. área exposta, condutividade térmica, densidade e espessura do material. Roupas compridas e pesadas dificultam a troca de calor entre corpo e ambiente.
Lado ambiental da equação
Segundo a ABRAVA – RENABRAVA NR 03 , “O conforto térmico é uma sensação essencialmente subjetiva. Devido às diferenças de sensibilidade ou de preferência individual, não é possível estabelecer condições ambientais que sejam consideradas satisfatórias por 100% das pessoas.”
Dessa maneira, um sistema de ar condicionado tem como objetivo proporcionar conforto térmico para a maioria dos ocupantes.
Como apresentado anteriormente, a temperatura ideal para o ambiente é influenciada por fatores como nível de atividade e vestimentas padrão. Por exemplo, em escritórios a temperatura média ideal varia entre 23 e 26ºC, já em locais de onde ocorrem atividades físicas intensas, como academias, a temperatura média deve variar entre 19 e 24ºC.
Alcançar essas temperaturas parece uma tarefa simples. Entretanto, manter uma temperatura operativa homogênea no tempo e no espaço pode ser um pouco mais complexo. Para a temperatura ser considerada uniforme, nenhum ponto da sala pode ter temperatura distante mais de 1º C da temperatura média.
O primeiro desafio que destaco é a variação de temperatura causada pela incidência solar. Imagine-se em um escritório, no qual em determinada hora do dia as pessoas que se sentam do lado esquerdo da sala começam a reclamar de calor, enquanto as sentadas do lado direito se mantêm confortáveis. Esse é um problema comum e a justificativa pode ser simples, o sol nesse horário incide diretamente sobre a faixada esquerda do prédio. Essa parede esquenta e transmite calor par sua vizinhança, que consequentemente fica com a temperatura mais elevada do que a média da sala. Esse fator é chamado assimetria da radiação.
Essa questão deve começar a ser tratada já no projeto de arquitetura, com a seleção de isolamento térmico para telhados e paredes, proteção solar de grandes áreas envidraçadas, seleção de vidros com boa propriedade isolante, ETC. Os projetos de ar condicionado devem considerar essa variação e disponibilizar carga térmica necessária para corrigir esse fenômeno.
Outro fator que interfere na homogeneização da temperatura é o balanceamento do sistema. A vazão de ar insuflada deve ser bem distribuída pelo ambiente, considerando as diferenças de carga térmica de cada área e deve-se evitar que o haja insuflamento de ar direto sobre os usuários.
Esse último ponto é um grande vilão do conforto térmico. Para ilustrar trarei outro exemplo. Imagine uma sala de aula cheia, onde a maioria dos alunos estão sentindo um leve desconforto por causa do calor. Do nada, um estudante levanta a mão e pede para o professor diminuir o ar condicionado. Todos olham para ele com um olhar de dúvida. Como essa pessoa pode estar com frio?
Desprezando as preferências pessoais, muito provavelmente essa pessoa está sendo atingida por uma corrente de ar, que a incomoda por dois fatores.
Primeiro, o ar que sai da máquina é mais frio que a média do ambiente e, na situação descrita, o fluxo atinge esse usuário antes de se homogeneizar com a temperatura do média do meio.
O segundo fator tem a ver com a velocidade do ar, e é independente da temperatura. Voltando a teoria, o coeficiente de transferência de calor é diretamente proporcional a velocidade do ar. Ou seja, quanto maior a velocidade do ar ao atingir o usuário, mais calor ele perde para o ambiente.
Controlar o fluxo de ar, evitando que o ar gelado incida diretamente sobre o usuário, é fundamental para o conforto térmico. Esse fator deve ser considerado na etapa de projeto, com a definição dos pontos, acessórios e vazões de ar adequados. Durante a instalação, o balanceamento se apresenta como uma etapa fundamental para esse quesito. No dia a dia deve receber atenção das equipes operação e manutenção como medições e ajustes periódicos.
Na engenharia fazemos sistemas e máquinas para atender as necessidades humanas. Nossos sistemas mecânicos interagem constantemente com os divinos sistemas biológicos. A física demonstra como a engenharia pode interferir sobre a biologia humana. É incrível.
Para concluir relembro uma passagem do juramento da engenharia, com o qual nos comprometemos a seguir “jamais podemos nos esquecer que trabalhamos para o bem do homem e não da máquina”. A satisfação das necessidades humanas é o nosso propósito.
Eng. Rafael de Melo Felipe
A.Salles Engenharia